1 de ago. de 2006

OS SAPOS





Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
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Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
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O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
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Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
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O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
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Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
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Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
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Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
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Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
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Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
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Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
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Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
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Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
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Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
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Manuel Bandeira
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Um comentário:

Osc@r Luiz disse...

Nossa! Maravillhoso tudo aqui!
Eu vim lendo e descendo...
Relembrando algumas coisa do meu tempo de escola como "Trem de Ferro", mas foi mesmo NESTE POST que você me ganhou definitivamente.
Como já esteve no meu blog, já deve ter idéia do "porquê".
Adorei isto aqui que eu definitivamente não conhecia e já aviso que vou levar pra casa, tá?
Um abraço e muito obrigado por me proporcionar momentos tão bacanas aqui também.