7 de ago. de 2006

O VERDE TUIM

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Um verde Tuim
contente vivia
em uma gaiola
que do alto pendia
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Um Gato querendo
por força o pegar
um dia o convida
para irem brincar
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Mil graças compadre
lhe diz o Tuim
já sei o que queres
conheço o teu fim
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Por isso daqui
não hei de descer
caminhas que ainda
não me hás de comer .
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E o gato se foi
pra longe a miar
e o verde Tuim
se pois a cantar .
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(Desconheço o nome do autor)
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SER MÃE

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Ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração!
Ser mãe é ter no alheio
lábio que suga, o pedestal do seio,
onde a vida, onde o amor, cantando, vibra.
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Ser mãe é ser um anjo que se libra
sobre um berço dormindo!
É ser anseio, é ser temeridade, é ser receio,
é ser força que os males equilibra!
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Todo o bem que a mãe goza é bem do filho,
espelho em que se mira afortunada,
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!
Ser mãe é andar chorando num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada!
Ser mãe é padecer num paraíso!
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Coelho Neto
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5 de ago. de 2006

CANÇÃO DO TAMOIO

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Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos,
Só pode exaltar.
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(...)
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III
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O forte, o cobarde
Seus feitos inveja
De o ver na peleja
Garboso e feroz;
E os tímidos velhos
Nos graves conselhos,
Curvadas as frontes,
Escutam-lhe a voz!
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(...)
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V
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E pois que és meu filho,
Meus brios reveste;
Tamoio nasceste,
Valente serás.
Sê duro guerreiro,
Robusto, fragueiro,
Brasão dos tamoios
Na guerra e na paz.
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VI
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Teu grito de guerra
Retumbe aos ouvidos
D'imigos transidos
Por vil comoção;
E tremam d'ouvi-lo
Pior que o sibilo
Das setas ligeiras,
Pior que o trovão.
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(...)
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VIII
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Porém se a fortuna,
Traindo teus passos,
Te arroja nos laços
Do imigo falaz!
Na última hora
Teus feitos memora,
Tranqüilo nos gestos,
Impávido, audaz.
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IX
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E cai como o tronco
Do raio tocado,
Partido, rojado
Por larga extensão;
Assim morre o forte!
No passo da morteTriunfa, conquista
Mais alto brasão.
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X
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As armas ensaia,
Penetra na vida:
Pesada ou querida,
Viver é lutar.
Se o duro combate
Os fracos abate,
Aos fortes, aos bravos,
Só pode exaltar.
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Gonçalves Dias
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MORENINHA

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Pintura de Alberto da Veiga Guignard
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Moreninha, Moreninha,
Tu és do campo a rainha.
Tu és senhora de mim;
Tu matas todos d'amores,
Faceira, vendendo as flores
Que colhes no teu jardim.
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Quando tu passas n'aldeia
Diz o povo à boca cheia:
-"Mulher mais linda não há!
"Ai! Vejam como é bonita"
Co'as tranças presas na fita,
"Co'as flores no samburá!"
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-Tu és meiga, és inocente
Como a rôla que contente
Voa e folga no rosal;
Envolta nas simples galas,
Na voz, no riso, nas falas,
Morena - não tens rival!
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Casimiro de Abreu
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MEUS OITO ANOS

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Pintura de Portinari
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Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!
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Como são belos os dias
Do despontar da existência!
— Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é — lago sereno,
O céu — um manto azulado,
O mundo — um sonho dourado,
A vida — um hino d'amor!
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Que aurora, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!
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Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minhã irmã!
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Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberta o peito,
— Pés descalços, braços nus
—Correndo pelas campinas
A roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis!
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Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo.
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
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................................
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Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
— Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
A sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!
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Casimiro de Abreu
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DEUS

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Pintura de Anita Malfatti
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Eu me lembro! Eu me lembro! - Era pequeno
E brincava na praia; o mar bramia,
E, erguendo o dorso altivo, sacudia,
A branca espuma para o céu sereno.
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E eu disse a minha mãe nesse momento:

"Que dura orquestra! Que furor insano!
Que pode haver de maior do que o oceano
Ou que seja mais forte do que o vento?"
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Minha mãe a sorrir, olhou pros céus

E respondeu: - Um ser que nós não vemos,
É maior do que o mar que nós tememos,
Mais forte que o tufão, meu filho, é Deus.
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Casimiro de Abreu
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A ESTRELA

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Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
na minha vida vazia.
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Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.
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Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?
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E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
mais triste ao fim do meu dia.
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Manuel Bandeira
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TREM DE FERRO

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Café com pão
Café com pão
Café com pão
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Virge Maria que foi isso maquinista?
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Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
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Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
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Oô...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
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Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
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Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...
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Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente...
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Manuel Bandeira
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1 de ago. de 2006

OS SAPOS





Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
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Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
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O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.
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Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
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O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
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Vai por cinquüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma.
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Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."
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Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
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Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
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Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
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Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
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Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
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Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
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Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...
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Manuel Bandeira
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IRENE NO CÉU

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Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
— Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa pedir licença.
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Manuel Bandeira
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O LAÇO DE FITA


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Não sabes, criança! 'Stou louco de amores...
Prendi meus afetos, formosa Pepita.
Mas onde? No templo, no espaço, nas névoas?!
Não rias, prendi-me
Num laço de fita.
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Na selva sombria de tuas madeixas,
Nos negros cabelos de moça bonita,
Fingindo serpente qu'enlaça a folhagem,
Formoso enroscava-se
O laço de fita.
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Meu ser, que voava nas luzes da festa,
Qual pássaro bravo, que os ares agita,
Eu vi de repente cativo, submisso
Rolar prisioneiro
Num laço de fita.
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E agora enleada na tênue cadeia
Debalde minh'alma se embate, se irrita...
O braço, que rompe cadeias de ferro,
Não quebra teus elos,
Ó laço de fita!
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Meu Deus! As falenas têm asas de opala,
Os astros se libram na plaga infinita.
Os anjos repousam nas penas brilhantes...
Mas tu... tens por asas
Um laço de fita.
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Há pouco voavas na célebre valsa
Na valsa que anseia, que estua e palpita
Por que é que tremeste? Não eram meus lábios...
Beijava-te apenas...
Teu laço de fita.
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Mas ai! findo o baile, despindo os adornos
N'alcova onde vela ciosa... crepita,
Talvez da cadeia libertes as tranças
Mas eu... fico preso
No laço de fita.
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Pois bem! Quando um dia na sombra do vale
Abrirem-me a cova..., formosa Pepita!
Ao menos arranca meus louros da fronte,
E dá-me por c'roa...
Teu laço de fita.
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Castro Alves
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AS DUAS FLORES

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São duas flores unidas
São duas rosas nascidas
Talvez do mesmo arrebol,
Vivendo, no mesmo galho,
Da mesma gota de orvalho,
Do mesmo raio de sol.
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Unidas, bem como as penas
das duas asas pequenas
De um passarinho do céu...
Como um casal de rolinhas,
Como a tribo de andorinhas
Da tarde no frouxo véu.
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Unidas, bem como os prantos,
Que em parelha descem tantos
Das profundezas do olhar...
Como o suspiro e o desgosto,
Como as covinhas do rosto,
Como as estrelas do mar.
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Unidas... Ai quem pudera
Numa eterna primavera
Viver, qual vive esta flor.
Juntar as rosas da vida
Na rama verde e florida,
Na verde rama do amor!
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Castro Alves
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