31 de jul. de 2006

CANÇÃO DO EXÍLIO

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Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
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Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
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Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
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Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar –sozinho, à noite–
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
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Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
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Gonçalves Dias
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O CANTO DO PIAGA

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Ó Guerreiros da Taba sagrada,
Ó Guerreiros da Tribo Tupi,
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi.
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Esta noite — era a lua já morta —
Anhangá me vedava sonhar;
Eis na horrível caverna, que habito,
Rouca voz começou-me a chamar.
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Abro os olhos, inquieto, medroso,
Manitôs! que prodígios que vi!
Arde o pau de resina fumosa,
Não fui eu, não fui eu, que o acendi!
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Eis rebenta a meus pés um fantasma,
Um fantasma d'imensa extensão;
Liso crânio repousa a meu lado,
Feia cobra se enrosca no chão.
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O meu sangue gelou-se nas veias,
Todo inteiro — ossos, carnes — tremi,
Frio horror me coou pelos membros
Frio vento no rosto senti.
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Era feio, medonho, tremendo,
Ó Guerreiros, o espectro que eu vi.
Falam Deuses nos cantos do Piaga,
Ó Guerreiros, meus cantos ouvi!
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II
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Por que dormes, ó Piaga divino?
Começou-me a Visão a falar,
Por que dormes? O sacro instrumento
De per si já começa a vibrar.
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Tu não viste nos céus um negrume
Toda a face do sol ofuscar;
Não ouviste a coruja, de dia,
Seus estrídulos torva soltar?
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Tu não viste dos bosques a coma
Sem aragem — vergar-se e gemer,
Nem a lua de fogo entre nuvens,
Qual em vestes de sangue, nascer?
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E tu dormes, ó Piaga divino!
E Anhangá te proíbe sonhar!
E tu dormes, ó Piaga, e não sabes,
E não podes augúrios cantar?!
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Ouve o anúncio do horrendo fantasma,
Ouve os sons do fiel Maracá;
Manitôs já fugiram da Taba!
Ó desgraça! ó ruína! ó Tupá!
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III
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Pelas ondas do mar sem limites
Basta selva, sem folhas, e vem;
Hartos troncos, robustos, gigantes;
Vossas matas tais monstros contêm.
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Traz embira dos cimos pendente
—Brenha espessa de vário cipó —
Dessas brenhas contêm vossas matas,
Tais e quais, mas com folhas; é só!
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Negro monstro os sustenta por baixo,
Brancas asas abrindo ao tufão,
Como um bando de cândidas garças,
Que nos ares pairando —lá vão.
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Oh! quem foi das entranhas das águas,
O marinho arcabouço arrancar?
Nossas terras demanda, fareja ...
Esse monstro. . . — o que vem cá buscar?
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Não sabeis o que o monstro procura?
Não sabeis a que vem, o que quer?
Vem matar vossos bravos guerreiros,
Vem roubar-vos a filha, a mulher!
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Vem trazer-vos crueza, impiedade —
Dons cruéis do cruel Anhangá;
Vem quebrar-vos a maça valente,
Profanar Manitôs, Maracá.
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Vem trazer-vos algemas pesadas,
Com que a tribo Tupi vai gemer;
Hão de os velhos servirem de escravos
Mesmo o Piaga inda escravo há de ser!
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Fugireis procurando um asilo,
Triste asilo por ínvio sertão;
Anhangá de prazer há de rir-se.
Vendo os vossos quão poucos serão.
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Vossos Deuses, ó Piaga, conjura,
Susta as iras do fero Anhangá.
Manitôs já fugiram da Taba,
Ó desgraça! ó ruína! ó Tupá!
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Gonçalves Dias
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A PÁTRIA

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.Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste!

Criança! não verás nenhum país como este!
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta!
A Natureza, aqui, perpetuamente em festa,
É um seio de mãe a transbordar carinhos.
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos,
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos!
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos!
Vê que grande extensão de matas,
onde imperaFecunda e luminosa,
a eterna primavera!
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Boa terra! jamais negou a quem trabalha
O pão que mata a fome, o teto que agasalha...
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Quem com o seu suor a fecunda e umedece,
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!
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Criança! não verás país nenhum como este:
Imita na grandeza a terra em que nasceste!
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Olavo Bilac
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A BONECA

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Deixando a bola e a peteca,
Com que inda há pouco brincavam,
Por causa de uma boneca,
Duas meninas brigavam.
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Dizia a primeira:"É minha!"
— "É minha!" a outra gritava;
E nenhuma se continha,
Nem a boneca largava.
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Quem mais sofria (coitada!)
Era a boneca. Já tinha
Toda a roupa estraçalhada,
E amarrotada a carinha.
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Tanto puxaram por ela,
Que a pobre rasgou-se ao meio,
Perdendo a estopa amarela
Que lhe formava o recheio.
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E, ao fim de tanta fadiga,
Voltando à bola e à peteca,
Ambas, por causa da briga,
Ficaram sem a boneca . . .
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Olavo Bilac
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A CASA QUE PEDRO FEZ



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Esta é a casa que Pedro fez
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Este é o trigo
Que está na casa que Pedro fez
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Este é o rato
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez.
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Este é o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fêz.

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Este é o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Quês está na casa que Pedro fez.
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Esta é a vaca de chifre torto,
Que atacou o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez.

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Esta é a moça mal vestida,
Que ordenhou a vaca de chifre torto,
Que atacou o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez .

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Este é o moço todo rasgado,
Noivo da moça mal vestida,
Que ordenhou a vaca de chifre torto,
Que atacou o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez.

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Este é o padre de barba feita,
Que casou o moço todo rasgado,
Noivo da moça mal vestida,
Que ordenhou a vaca de chifre torto,
Que atacou o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo,
Que está na casa que Pedro fez.

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Este é o galo que cantou de manhã,
Que acordou o padre de barba feita,
Que acsou o moço todo rasgado,
Noivo da moça mal vestida,
Que ordenhou a vaca de chifre torto,
Que atacou o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez.
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Este é o fazendeiro que espalho o milho,
Que tinha o galo que cantou de manhã,
Que acordou o padre de barba feita,
Que casou o moço todo rasgado,
Noivo da moça mal vestida,
Que ordenhou a vaca de chifre torto,
Que atacou o cão,
Que espantou o gato,
Que matou o rato,
Que comeu o trigo
Que está na casa que Pedro fez .

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(Ad. De M. L. Figueiredo)

29 de jul. de 2006

A FESTA NO CÉU



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Em certas manhãs de junho
em tempos que lá se vão
junto a lagoa do sapo
lá no meio do sertão
mestre sapo numa pedra
redondo como uma bola
ensinava tabuada
aos sapinhos lá da escola :
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"- Quatro vezes quatro , quatro,
Com mais quatro , quatro ! "
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"- Tá errado ! "
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A velha dona Araponga
que era o arauto da floresta
fazendo um berreiro enorme
anunciava uma festa:
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“São Pedro manda avisar
Aos bichos deste sertão
A grande festa no céu
Na noite de são João .
Não deve faltar na festa
Nem um bicho voador
Do mosquito a borboleta
Do colibri ao condor
E para bicho sem asa
Não fazer vestido à-toa
Manda avisar que a festança
É só pra bicho que voa !”
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A madame Saracura
Que se julgava a mais bela
E andava as turras com um sapo
Que a chamara magricela
Ao ouvir a tal notícia
Pulou de louca alegria
E em dueto com o marido
Começou a cantoria:
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Vai haver festa no céu
Vou levar meu violão
Vou cantar a noite inteira,
Bam, banlão, bambão, bambão
A festança vai ser boa
Vai ter canjica e quentão
Mas só vai bicho que voa,
Bam, banlão, bambão, bambão
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Quando a canção terminou
o sapo fez um escarcéu
E saiu gritando:
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"- Oxe ! Eu vou a festa no céu !
Saracura ta pensando que eu só vivo na lagoa?
Vou mostrar a magricela
Vou provar que sapo voa
Vou tirar minha casaca lá do fundo do baú
Já decidi
Vou a festa, no violão do urubu !"
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Chegou a manhã da festa
Desde cedo a passarada
Foi subindo para o céu
Em bandos em revoadas
Também cedo bem cedinho
Mestre sapo pulou,
Se vestiu, saiu da toca,
Foi procurar o urubu.
Foi andando , foi andando
E ao chegar numa clareira
Viu o urubu cochilando
Lá no alto da paineira
O urubu estava bem alto
Mas por sorte o violão
Estava dependurado
Num galho rentinho ao chão
Mestre sapo deu um pulo
E rápido num momento
Afastou algumas cordas
E penetrou no instrumento
E escutou de lá de dento
O urubu dizer de fora:
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" Valha-me São Benedito .
Quase que eu perco a hora ! "
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O urubu pegou no pino
Bateu asas e voou
Mas estranhando o seu peso
Pelo buraco espiou
Tanto espiou que encontrou
o sapo lá bem no fundo
E sacudindo o instrumento
Cantou o loforibundo:
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" Sai daí sapo danado
Sapo feio, jururu
Sapo não vai para o céu
Na viola de urubu
Vou jogar você lá embaixo
- Tá errado seu doutor
Desta vez eu te esburracho
- Tá errado, sim senhor
Mas sapório eu te perdôo
Bicho feio da lagoa
Só pra ver no fim da festa
Como é que sapo voa
Só pra ver no fim da festa,
ôôôôôôôôô
Como é que sapo voa !"
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Quando chegaram ao céu
A festa estava animada
E já de longe se ouvia
O canto da passarada
Mosquitos cantando finos
Besouros cantando grosso :
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“Sobe, sobe, balãozinho
Balãozinho multicor
Vai ser mais uma estrelinha
Pra louvar nosso senhor”
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“Sobe, sobe, balãozinho
Balãozinho multicor
Vai ser mais uma estrelinha
Pra louvar nosso senhor”
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Foi chegando e foi tirando
a garça para dançar
Porém a garça orgulhosa
Nem parou pra conversar
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Foi tirar a juriti.
Quase levou um supaco
Do gavião que exclamou :
" Dama não dança com sapo !"
Desanimado com todos
Cansado de tudo enfim
Mestre sapo adormeceu
No balanço no jardim
Quando acordou exclamou:
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" Valha-me Nossa Senhora
A festa já se acabou
O urubu já foi embora ... "
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E começou a pular
Já estava quase maluco
Quando avistou lá num canto
O trombone do Macuco
A orquestra foi a última
a deixar o firmamento
Cada músico levando consigo
O seu instrumento .
Mestre Macuco soprou
Mas a música não saiu
Puxou a vara com força
E foi isso que se ouviu:
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"Tom ... Tom... Tom....
Tá errado
Tom to-ro-rom-tom-tom
Tá errado
Tom ... Tom... Tom....
Tá errado
Tom to-ro-rom-tom-tom
Tá errado !
Pois então se tá errado
Por que não toca direito?
Eu nunca toquei tão mal
Em dias da minha vida
Eu acho que o meu trombone
Está com a vara entupida ."
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E soprou com tanta força
Da bochecha e do pulmão
Que o sapo saiu de dentro
Como um tiro de canhão
Saiu e se despencou
De lá de cima o coitado
Vendo uma pedra cá embaixo
Gritava desesperado:
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-Afasta pedra senão te esborracho
-Afasta pedra senão te esborracho
-Afasta pedra senão te esborracho !
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BUMMMMMMMMMMMMMMM!
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Mas a pedra não se afastou
Pedra não anda nem fala
E o sapo se esborrachou
Não morreu
Mas ficou feito
Seu corpo ficou disforme
Os olhos se esbugalharam
A boca ficou enorme
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E os sapos que eram redondos
Muito bonitos outrora
Ficaram assim tão feios
E são tão chatos agora
Escutem meus amiguinhos
Este conselho acertado
Ir a festa, sem convite?
Escutem bem:
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" TÁ ERRADO ! "
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VOZ DOS ANIMAIS


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— O peru, em meio à bulha
De outras aves em concerto,
Como faz, de leque aberto?
— Grulha
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— Como faz o pinto, em dia
De chuva, quando se interna
Debaixo da asa materna?
— Pia
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— Enquanto alegre passeia
Girando em torno do ninho,
Como faz o passarinho?
— Gorjeia
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(...)
— Quando a galinha deseja
Chamar os pintos que aninha,
Como é que faz a galinha?
— Cacareja.
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— A rã, quando a noite baixa,
Que faz ela a toda hora
Dentre os limos em que mora?
— Coaxa
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(...)
— Que faz o gato, que espia
Uma terrina de sopa
Que fumega sobre a copa?
— Mia
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(...)
— Cheia a boca da babuge
Do milho bom que rumina,
Que faz o boi na campina?
— Muge
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(...)
— A voz tremida do grilo
Que vive oculto na grama,
A trilar, como se chama?
— Trilo
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Mas, escravos das paixões
Que os fazem bons ou ferozes,
Os homens têm suas vozes
Conforme as ocasiões
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Francisca Júlia
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NATAL

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Jesus nasceu. Na abóbada infinita
Soam cânticos vivos de alegria;
E toda a vida universal palpita
Dentro daquela pobre estrebaria...
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Não houve sedas, nem cetins, nem rendas
No berço humilde em que nasceu Jesus...
Mas os pobres trouxeram oferendas
Para quem tinha de morrer na cruz.
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Sobre a palha, risonho, e iluminado
Pelo luar dos olhos de Maria,
Vede o Menino-Deus, que está cercado
Dos animais da pobre estrebaria.
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Nasceu entre pompas reluzentes;
Na humildade e na paz deste lugar,
Assim que abriu os olhos inocentes
Foi para os pobres seu primeiro olhar.
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No entanto, os reis da terra, pecadores,
Seguindo a estrela que ao presepe os guia,
Vem cobrir de perfumes e de flores
O chão daquela pobre estrebaria.
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Sobem hinos de amor ao céu profundo;
Homens, Jesus nasceu! Natal! Natal!
Sobre esta palha está quem salva o mundo,
Quem ama os fracos, quem perdoa o mal,
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Natal! Natal! Em toda a natureza
Há sorrisos e cantos, neste dia...
Salve Deus da humildade e da pobreza
Nascido numa pobre estrebaria.
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Olavo bilac
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O PÁSSARO CATIVO

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Armas, num galho de árvore, o alçapão
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.
Dás-lhe então, por esplêndida morada,
Gaiola dourada;
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Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos e tudo.
Por que é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste sem cantar?
É que, criança, os pássaros não falam..
Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:
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"Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro.
Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores
Sem precisar de ti!
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Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola,
De haver perdido aquilo que perdi...
Prefiro o ninho humilde construído
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De folhas secas, plácido, escondido.
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pombas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me, covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade!
Não me roubes a minha liberdade...
Quero voar! Voar!
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Estas cousas o pássaro diria,
Se pudesse falar,
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição,
E a tua mão tremendo lhe abriria
A porta da prisão...
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Olavo Bilac
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